Gabriel fez um círculo com as suas galochas, entre os risos de todos os presentes.
- A roda, sempre à roda - disse Gabriel. - E o velho senhor, que era todo pomposo, ficou muito indignado. «Vá para a frente, senhor! O que quer isto dizer, senhor? Johnny, Johnny! Mas que conduta tão extraordinária! Não posso compreender o cavalo!...»
As gargalhadas que se seguiram à imitação de Gabriel foram interrompidas por uma pancada na porta. Mary Jane foi abrir e entrou Freddy Malins. Este, com o chapéu para trás e os ombros curvados pelo frio, informou:
- Só consegui arranjar um trem!...
- Bem, nós encontraremos outro pelo caminho - disse Gabriel.
- Sim, é melhor não fazer Mrs. Malins estar mais tempo à espera.
Ajudaram Mrs. Malins a descer a escada e, depois de muitas manobras, içaram-na para o trem. Freddy Malins subiu atrás dela e demorou um bocado a sentá-la, ajudado por Mr. Browne. Quando ficou confortavelmente instalada, Freddy Malins convidou Mr. Browne a subir. Houve uma grande confusão de conversas, mas Mr. Browne acabou por entrar. O cocheiro pôs a manta por cima das pernas e dobrou-se para perguntar a morada. A confusão tornou-se maior, porque cada um dos cavalheiros falava simultaneamente da sua janela.
A dificuldade era saber onde deixar Mr. Browne. A tia Kate, a tia Julia e Mary Jane também ajudaram à discussão. Freddy Malins não podia falar, de tal maneira se ria. Deitava a cabeça de fora da janela, em todas as ocasiões, com grande perigo para o seu chapéu alto e contava à sua mãe como a discussão estava a desenvolver-se até que, por fim, Mr. Browne gritou para o cocheiro:
- Sabe onde é o Colégio Trinity?
- Sei, sim, senhor - disse o cocheiro.
- Bem, então vá até lá - informou Mr. Browne. - Depois nós lhe explicamos. Percebeu agora?
- Sim, senhor - disse o cocheiro.
- Voe como um pássaro para o Colégio Trinity.
- Sim, senhor!...
O carro partiu, no meio de uma gargalhada geral.
Gabriel não acompanhara os outros até à porta. Ficara num recanto escuro do hall, olhando para as escadas, fitando um vulto feminino, parado no cimo do primeiro lanço, também na sombra. Ele não lhe podia ver a cara, mas podia ver as almofadas da sua saia, que a escuridão fazia parecer branca e preta. Era sua mulher. Ela permanecia dobrada no corrimão, escutando qualquer coisa. Gabriel estava surpreendido com a sua quietude, e prestou atenção a ver se percebia algo.