Mr. Duffy vivia em Chapelizod, porque desejava morar o mais longe possível da cidade, e também porque achava os outros subúrbios de Dublin demasiado modernos e pretensiosos. Das janelas da velha casa sombria, avistava-se a antiga destilaria e o rio. Nas paredes altas do quarto não se viam quadros. Todos os objectos haviam sido adquiridos por Mr. Duffy: uma cama de ferro, um lavatório, quatro cadeiras de verga, um cabide, um cesto para carvão, um guarda-fogo e respectivos utensílios e uma mesa quadrada, com dupla escrivaninha. Mediante aplicação de prateleiras de madeira clara, certa alcova havia sido transformada em armário de livros.
U ma colcha branca e uma manta encarnada e preta cobriam o leito. Por cima do lavatório, dependurava-se um espelho de mão.
Nas prateleiras, os livros encontravam-se arrumados de baixo para cima, conforme o tamanho. Numa das divisórias mais baixas, arrumava-se uma colecção de Wordsworth.
Em cima da escrivaninha, Mr. Duffy tinha uma tradução manuscrita do Michael Kramer, de Hauptmann, com anotações a tinta vermelha. Quando alguém levantava o tampo da escrivaninha, espalhava-se imediatamente no ar o cheiro das madeiras novas dos lápis, de uma bisnaga de cola, ou de alguma maçã encarquilhada e deixada ali por esquecimento.
Mr. Duffy não suportava nem a desordem física nem a mental. Um médico da Idade Média considerá-lo-ia um melancólico. No seu rosto podia ler-se a história completa da sua vida, e a pele possuía a mesma tonalidade acastanhada das casas de Dublin. Na grande e volumosa cabeça crescia cabelo preto, e o bigode escuro não conseguia disfarçar completamente a boca desagradável. As maçãs do rosto, muito desenvolvidas, emprestavam ao semblante um certo carácter, mas o olhar não tinha dureza, os olhos fitavam o mundo por baixo de sobrancelhas escuras" e davam a impressão de que estavam sempre abertos para encontrar um instinto de redenção nos outros, mas muitas vezes ficavam desapontados. Vivia a certa distância do seu corpo, olhando para os próprios actos com olhares de esguelha. Possuía um estranho «hábito autobiográfico», que o fazia compor, de tempos a tempos, uma curta sentença sobre si mesmo, contendo o sujeito na terceira pessoa e o predicado no pretérito. Nunca dava esmolas a pobres e caminhava com firmeza.
Era, há vários anos, caixa de um banco particular, na Rua Baggot.