Mr. d' Arcy envolvia cuidadosamente o seu pescoço, e mostrava-se carrancudo.
- É do tempo - disse a tia Julia, depois de uma pausa.
- É, toda a gente anda constipada - concordou a tia Kate. - Toda a gente.
- Dizem - atalhou Mary Jane - que não nevava assim há trinta anos; e eu li esta manhã no jornal que cai neve em toda a Irlanda.
- Gosto imenso de ver neve - disse a tia Julia com tristeza.
- Também eu - concordou Miss O’Callaghan. - Penso que o Natal não é um verdadeiro Natal sem neve!...
- Mas o pobre Mr. d' Arcy não gosta de neve - disse a tia Kate, sorrindo.
Mr. d' Arcy voltou da copa cheio de cachecóis e todo abotoado. Num tom arrependido, contou a história da sua constipação. Todos lhe deram conselhos e lhe disseram que era uma pena, e que tivesse muito cuidado com o ar da noite. Gabriel observava a mulher, que não se havia metido na conversa. Estava debaixo do candeeiro e a luz fazia-lhe realçar o cabelo bronzeado, que ele vira enxugar ao fogão uns dias antes. Permanecia na mesma atitude e parecia não dar por nada do que se passava em volta. Por fim, voltou-se para eles e Gabriel reparou que tinha cor nas suas faces e que os seus olhos brilhavam. Uma torrente de alegria inundou o seu coração.
- Mr. d' Arcy - indagou ela, - como se chamava a ária que estava a cantar?..
- Chama-se A Perda de Aughrim - disse Mr. d'Arcy. - Mas não sou capaz de me lembrar bem dela. Porquê? Conhece-a?
- A Perda de Aughrim - repetiu Gretta. - Não conseguia lembrar-me do nome...
- É uma ária muito bonita - disse Mary Jane. - Tenho pena que não esteja em forma esta noite!...
- Então, Mary Jane - repreendeu a tia Kate -, não estejas a maçar Mr. d' Arcy!... Não quero que o aborreçam!...
Vendo que todos estavam prontos para sair, acompanhou-os até à porta…
- Bem, boa noite, tia Kate e muito obrigado pela agradável recepção!...
- Boa noite, Gabriel! Boa noite, Gretta!
- Boa noite, tia Kate e obrigado por tudo!... Boa noite, tia Julia!...
- Boa noite, Gretta, não te via!...
- Boa noite, Mr. d' Arcy!... Boa noite, Miss O' Callaghan!...
- Boa noite, Miss Morkan!...
- Boas noites a todos! Que cheguem bem a casa!
A madrugada ainda estava escura. Uma luz baça e tristonha cobria as casas e o rio; o céu parecia que vinha descendo. O chão estava enlameado e só umas tiras de neve se viam em cima dos terraços e nos parapeitos das janelas.