Passado algum tempo, chamou um carro e foi para casa. Quedou-se uns momentos à porta, a contemplar a Praça silenciosa. O céu era agora de pura opala e os telhados das casas refulgiam como prata. Duma chaminé em frente subia uma ténue espiral de fumo.
Na grande lanterna dourada, despojo da gôndola dum Doge de Veneza, que pendia do tecto do grande vestíbulo guarnecido a carvalho, ardiam três luzes, que pareciam finas pétalas azuis, debruadas de fogo branco. Apagou-as, e, atirando o chapéu e a capa para cima da mesa, atravessou a biblioteca e encaminhou-se para o seu quarto octogonal no rés-do-chão, que, no seu recente gosto de luxo, havia mandado pouco antes decorar e guarnecer com curiosas tapeçarias da Renascença, encontradas num velho sótão de Selby Royal. Ao desandar o puxador da porta, os seus olhos deram com o retrato que Basil Hallward lhe pintara. Estremeceu e estacou, como que surpreso. Depois entrou no quarto, um tanto intrigado. Desabotoou o casaco e pareceu hesitar. Finalmente voltou atrás, aproximou-se do retrato e examinou-o. Na vaga claridade que se coava através das cortinas de seda creme, pareceu-lhe que o rosto estava um tanto mudado. Parecia ser outra a expressão. Dir-se-ia assomar-lhe na boca um laivo de crueldade. Era deveras estranho!