Havia uma conta algo pesada dum serviço de
toilette Luis XV, em prata, que não tivera ainda a coragem de mandar aos seus tutores, que eram pessoas extremamente antiquadas e não compreenderiam que nós vivemos numa época em que as coisas desnecessárias são as nossas únicas necessidades; e havia ainda umas poucas de comunicações, redigi das nos termos mais corteses, de usurários da Rua Jerrnyn, oferecendo-se para lhe adiantarem qualquer quantia com a maior presteza e ao juro mais razoável.
Passados uns dez minutos, levantou-se, e, envolvendo-se num roupão de caxemira de lã bordado a seda, passou para o quarto de banho ladrilhado a ónix. A água fria refrescou-o após o seu longo sono. Parecia-lhe haver esquecido tudo o que se passara. Perpassou-lhe uma ou duas vezes pela mente uma vaga sensação de haver tomado parte numa estranha tragédia, mas envolvia-o a irrealidade dum sonho...
Apenas se vestiu, entrou na biblioteca, onde um leve almoço francês lhe havia sido servido numa mesinha redonda, junto à janela aberta. Estava um dia esplêndido. O ar quente parecia impregnado de especiarias. Uma abelha entrou pela janela e adejou, zumbindo, em roda do dragão azul que, cheio de rosas cor de enxofre, se erguia na sua frente. Sentia-se absolutamente feliz.
De repente deu com os olhos no biombo que colocara em frente do retrato e estremeceu.