Dorian estremeceu à evocação do avô. Tinha dele recordações odientas.
- Não importa - respondeu. - Quero apenas ver a sala, mais nada. Dê-me a chave.
- Está aqui a chave, senhor - disse a velha dama, rebuscando com as mãos trémulas e incertas no molho das chaves. - Está aqui a chave. Só um momento para a tirar da argola. Mas V. Ex- não pensa em ir habitar lá em cima, estando aqui tão comodamente instalado...
- Não, não - exclamou ele, petulantemente.
- Obrigado, Leaf. Está bem.
Ela demorou-se alguns momentos, tagarelando sobre minuciosidades da vida da casa. Dorian suspirou e disse-lhe que arranjasse tudo como melhor entendesse. Ela retirou-se, desfazendo-se em sorrisos.
Apenas se fechou a porta, Dorian meteu a chave no bolso e olhou em roda do quarto. Deparou-se-lhe uma grande colcha de cetim purpúreo, pesadamente bordada a oito, esplêndido trabalho veneziano do século XVII que seu avô encontrara num convento perto de Bolonha. Sim, serviria para embrulhar o terrível quadro abjecto. Talvez muitas vezes tivesse servido de mortalha para mortos. Agora ia servir para ocultar alguma coisa que tinha em si uma corrupção própria, pior do que a corrupção da morte - alguma coisa que geraria horrores e que, contudo, nunca morreria. O que o verme era para o cadáver seriam os seus pecados para a efígie pintada na tela.