O Retrato de Dorian Gray - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 20 / 335

Parece-me, todavia, que será você o primeiro a cansar-se. Um dia olhará para o seu amigo e pouco achará nele que o instigue a desenhá-lo, ou não gostará do tom do seu rosto, ou de qualquer outra coisa. Censurá-lo-á acerbamente no íntimo do seu coração e pensará muito a sério que ele se portou pessimamente para consigo. No primeiro dia em que ele vier a sua casa, recebê-lo-á com frieza e indiferença. Será muito para lastimar, pois isso o modificará. O que me contou é um perfeito romance, um romance de arte, podemos-lhe assim chamar, e a pior coisa que têm os romances, sejam de que género forem, é que nos deixam tão irromânticos...

- Henry, não fale assim. Enquanto eu viver, há-de sempre dominar-me a personalidade de Dorian Gray. Você não pode sentir o que eu sinto. Você muda a cada passo...

- Ah, meu caro Basil, é exactamente por isso que eu posso sentir. Aqueles que são fiéis somente conhecem do amor o lado trivial: só os infiéis é que conhecem as tragédias do amor.

Dizendo isto, Lord Henry acendeu um fósforo numa elegante caixa de prata e começou a fumar um cigarro com um ar soberano e satisfeito, como se houvera condensado o mundo numa frase. Ouvia-se a chiadeira dos pardais na hera, e as sombras azuis das nuvens cruzavam a relva como andorinhas.





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