O Retrato de Dorian Gray - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 207 / 335

Os ásperos intervalos e as desacordes estridências da bárbara música excitavam-no às vezes, quando a graça de Schubert, as belas dolências de Chopin e as grandiosas harmonias de Beethoven passavam despercebidas aos seus ouvidos.

Coleccionou de todas as partes do mundo os mais estranhos instrumentos que podia encontrar, quer nos túmulos das nações mortas, quer entre as poucas tribos selvagens que sobreviveram ao contacto com as civilizações ocidentais, e comprazia-se em tocá-los e experimentá-los. Tinha os misteriosos juruparis dos índios do Rio Negro, defesos às mulheres, e que mesmo os rapazes só podem ver depois de submetidos ao jejum e à flagelação, os jarros de barro dos peruanos, que têm ainda os gritos das aves, flautas feitas de ossos humanos, como as que Afonso de Ovalle ouviu no Chile, e os sonoros jaspes verdes que se encontram perto de Cuzco e emitem uma nota de singular doçura.

Tinha cabaças pintadas cheias de seixos que ressoavam quando as agitavam; o comprido clarim dos mexicanos, em que o músico não sopra, mas aspira o ar; o agudo fure das tribos do Amazonas, que é tocado pelas sentinelas que passam o dia sentadas no alto das árvores, e que se pode ouvir, diz-se, a três léguas de distância; o teponaztli, que tem duas línguas vibrantes de madeira, e que é percutido com uns paus embebidos numa goma elástica proveniente do suco leitoso das plantas; os guizos yoth dos astecas, pendurados em cachos; e um enorme bombo cilíndrico, coberto de peles de grandes serpentes, como aquele que Bernal Diaz viu quando entrou com Cortês no templo mexicano, e de cujo som dolente nos legou tão viva descrição.





Os capítulos deste livro