O Retrato de Dorian Gray - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 28 / 335

- E, todavia - prosseguiu Lord Henry, na sua voz baixa, musical, e acentuando com a mão o que dizia, num gracioso gesto muito característico -, eu creio que, se nós vivêssemos a nossa vida em toda a sua plenitude, se nós déssemos forma a todos os sentimentos, realidade a todos os sonhos, o mundo ganharia um tal impulso de alegria, que esqueceríamos todas as doenças do medievalismo e regressaríamos ao ideal helénico, a alguma coisa mais bela, mais rica, talvez, do que o ideal helénico. Mas, entre nós, o homem mais afoito tem medo de si mesmo. A mutilação do selvagem tem a sua trágica sobrevivência na renúncia, que estraga as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas recusas. Todo o impulso que nos afreimamos em estrangular vem acoitar-se-nos no espírito e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e aí termina o seu pecado, pois a acção é um modo de purificação. Nada mais resta então do que a lembrança dum prazer ou o luxo dum pesar. O único modo de a gente se libertar duma tentação é ceder-lhe. Se lhe resistimos, a alma adoece-nos com o anseio das coisas que ela a si mesma se proibiu, com o desejo daquilo que as suas leis monstruosas tornaram monstruoso e ilícito. Alguém disse que os grandes acontecimentos do mundo se passam dentro do cérebro. É no cérebro. e somente no cérebro, que se cometem também os grandes pecados do mundo.




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