O Retrato de Dorian Gray - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 29 / 335

O senhor mesmo, Sr. Gray, com a sua florida mocidade, tem tido paixões que o têm assustado, pensamentos que o têm espavorido, sonhos, acordado e a dormir, cuja simples lembrança talvez lhe manche as faces de vergonha...

- Cale-se! - balbuciou Dorian Gray. - Cale-se! O senhor estonteia-me. Não sei que dizer. Há com certeza resposta para tudo isso, mas não posso atinar com ela. Não fale. Deixe-me pensar. Ou, melhor, deixe-me tentar não pensar.

Durante quase dez minutos permaneceu ali, imóvel, com os lábios entreabertos e os olhos iluminados dum estranho fulgor. Tinha a vaga consciência de que dentro de si estavam laborando influências inteiramente novas. Elas, porém, pareciam-lhe, na realidade, provir do seu próprio âmago. As poucas palavras que lhe dissera o amigo de Basil - palavras indubitavelmente proferidas por acaso, e voluntariamente paradoxais -haviam tocado alguma corda secreta que nunca até aí fora desferida, mas que ele sentia agora vibrar com singular intensidade.

A música fizera-o assim vibrar. A música perturbara-o muitas vezes. Mas a música não era articulada. Não era um mundo novo, mas, antes, um novo caos o que ela em nós criava. Palavras! Meras palavras! Que terríveis eram! Que nítidas, vívidas e cruéis eram essas palavras! Não era possível fugir-lhes! E, todavia, que subtil magia nelas havia! Pareciam ter o condão de dar forma plástica às coisas informes, pareciam possuir uma música própria, tão maviosa como a do violino ou a do alaúde. Meras palavras! Havia alguma coisa que fosse tão real como as palavras?





Os capítulos deste livro