Só a sua recordação bastava para lhe estragar muitos momentos de gozo. Fora para ele como que uma consciência. Sim, fora para ele a consciência. Destrui-lo-ia!...
Olhou em roda e viu a faca com que apunhalara Basil Hallward, Limpara-a muitas vezes, até nenhuma nódoa a manchar. Reluzia. Assim como matara o pintor, assim mataria a sua obra e tudo o que ela significava. Mataria o passado, e, quando isso estivesse morto, sentir-se-ia livre. Mataria essa monstruosa figuração da sua alma, e, sem as suas hediondas advertências, viveria, finalmente, em paz. Agarrou na faca e retalhou com ela o quadro.
Ouviu-se, então, um grito e um baque... O grito foi tão horrível na sua angústia, que os criados, assustados, acordaram e acorreram dos seus quartos. Dois sujeitos que passavam em baixo, na Praça, pararam e puseram-se a examinar o grande prédio. Foram à procura dum polícia e trouxeram-no. Tocaram repetidas vezes à campainha, mas ninguém respondeu. A não ser uma luz numa das janelas do último andar, a casa estava imersa em trevas. Passado algum tempo, o polícia retirou-se e foi postar-se num portal vizinho, à espreita.
- De quem é esta casa, senhor guarda? - perguntou o mais idoso dos dois sujeitos.
- Do Sr. Dorian Gray - respondeu o polícia. Olharam um para o outro e afastaram-se, rindo. Um deles era o tio de Sir Henry Ashton.