- Considera agora - prossegui - o que acontece quando uma dessas perturbações, a que se convencionou chamar sedições, se produz e divide uma cidade: se os cidadãos de cada facção devastam os campos e queimam as casas dos cidadãos da facção adversa, diz-se que a sedição é funesta e que nem uns nem outros amam a sua pátria - dado que, se a amassem, não ousariam despedaçar assim a sua alimentadora e a sua mãe; pelo contrário, considera-se admissível que os vencedores levem somente as colheitas dos vencidos, na esperança de que se reconciliarão um dia com eles e não lhes farão sempre a guerra.
- Essa esperança denota um grau de civilização mais elevado do que a ideia contrária.
- Ora bem! Não é um Estado grego que queres fundar?
- Sim, deve ser grego.
- Por conseguinte, os seus cidadãos serão bons e civilizados?
- No mais alto grau.
- Mas não amarão os Gregos? Não defenderão a Grécia como a sua pátria? Não assistirão a solenidades religiosas comuns?
- Sem dúvida.
- Portanto, considerarão os seus diferendos com os Gregos como uma discórdia entre parentes e não lhes darão o nome de guerra.
- Perfeitamente.
- E nesses diferendos comportar-se-ão como devendo reconciliar-se um dia com os seus adversários.
- Com certeza.
- Chamá-los-ão mansamente à razão e não lhes infligirão, como castigo, a escravatura e a ruína, sendo amigos que corrigem, e não inimigos.
- Está certo.
- Como gregos, não devastarão a Grécia e não queimarão as casas; não considerarão como adversários todos os habitantes de uma cidade, homens, mulheres e crianças, mas apenas o pequeno número daqueles que são responsáveis pelo diferendo; consequentemente, e visto que a maioria dos cidadãos são seus amigos, recusar-se-ão a devastar-lhes as terras e a destruir-lhes os lares; finalmente, só prolongarão o diferendo até ao momento em que os culpados tiverem sido constrangidos, pelos inocentes que sofrem, a receber o castigo merecido.
- Reconheço, contigo, que os nossos cidadãos devem comportar-se assim em relação aos seus adversários e tratar os Bárbaros como os Gregos se tratam agora entre si.
- Façamos então também uma lei que proíba os guardas de devastarem as terras e incendiarem as casas.
- Sim - concordou - e admitamos que dará bons resultados, como as precedentes.
- Mas parece-me, Sócrates, que, se te deixarmos prosseguir, nunca mais te lembrarás da questão que puseste de lado para entrares em todos estes desenvolvimentos: a saber, se semelhante governo é possível e como é possível.