- Atenta em que não haja nenhuma baixeza de sentimentos: é que a estreiteza de espírito é talvez o que repugna mais a uma alma que deve tender incessantemente a abarcar, no conjunto e na totalidade, as coisas divinas e humanas.
- Nada mais verdadeiro.
- Mas achas que alguém dotado de elevação nas ideias e a quem é dado contemplar todos os tempos e todos os seres possa olhar a vida humana como qualquer coisa de grandioso?
- É impossível - disse ele.
- Assim, não pensará que a morte deve ser temida.
- De maneira nenhuma.
- Portanto, um carácter cobarde e baixo não terá nenhuma relação segundo parece, com a verdadeira filosofia.
- Não, na minha opinião.
- Ora bem! Um homem regrado, isento de avidez, baixeza, arrogância e cobardia, pode ser, de qualquer modo, insociável e injusto?
- De maneira nenhuma.
- Sendo assim, quando quiseres distinguir a alma filosófica da que não o é, observarás, desde os primeiros anos, se ela se mostra justa e pacífica ou insociável e selvagem.
- Perfeitamente.
- Também não desprezarás isto, creio eu.
- O quê?
- Se ela tem facilidade ou dificuldade em aprender; com efeito, podes esperar que alguém se prenda fortemente ao que faz com muito esforço e pouco êxito?
- Não, nunca.
- Ora bem! Se ele for incapaz de fixar o que aprende, se esquecer tudo, é possível que não esteja esvaziado de ciência?
- Não.
- Esforçando-se inutilmente, não achas que será obrigado, por último a odiar-se e a odiar esse género de estudiosos?
- Como não seria obrigado a isso?
-Assim, nunca admitiremos uma alma esquecida entre as almas propensas à filosofia, dado que queremos que estas sejam dotadas de boa memória.
- Certamente.
- Mas a falta de gosto e decência provoca, inevitavelmente, diremos nós, a falta de equilíbrio.
- Sem dúvida.
- Ora, achas que a verdade está ligada ao equilíbrio ou à falta de equilíbrio?
- Ao equilíbrio.
- Então, para além dos outros dons, procuremos no filósofo um espírito pleno de equilíbrio e graça, que as suas tendências inatas guiarão facilmente para a Ideia de cada ser.
- Muito bem.
- Mas não te parece que as qualidades que acabamos de enumerar se apoiam em si mesmas e são todas necessárias a uma alma que deve participar, de forma plena e perfeita, no conhecimento do ser?
- São necessárias no mais alto grau - disse ele.