- Necessariamente, não os respeitará, nem já lhes obedecerá da mesma maneira.
- Mas - prossegui -, quando já não acreditar, como antes, que estes princípios são dignos de respeito e aparentados com a sua alma, sem, contudo, ter descoberto os verdadeiros princípios, será possível que chegue a um género de vida diferente do que o lisonjeia?
- Não, não é possível- respondeu.
- Portanto, vê-lo-emos, creio eu, tornar-se rebelde às leis, de submisso que era.
- Necessariamente.
- Assim, é muito natural o que acontece às pessoas que se dedicam à dialéctica e, como eu dizia há pouco, merecem que se lhes perdoe.
- E que as lamentemos - acrescentou.
- A fim de não expormos a essa compaixão os teus homens de trinta anos, não devemos tomar todas as precauções possíveis antes de os consagrarmos à dialéctica?
- Sim, com certeza - disse ele.
- Ora, não é uma precaução importante impedi-los de saborear a dialéctica enquanto são novos? Deves ter notado, julgo eu, que os adolescentes, depois de terem saboreado uma vez a dialéctica, abusam a fazem dela um jogo, usam-na para contestar a todo o momento e, imitando os que os refutam, refutam os outros por sua vez e sentem prazer, como jovens cães, em assediar e dilacerar pelo raciocínio todos os que deles se aproximam.
- Sim, sentem com isso um prazer maravilhoso.
- Depois de terem refutado muitas vezes os outros e de terem sido refutados muitas vezes também, depressa acabam por já não acreditar em nada do que acreditavam antes; e, assim, eles e toda a filosofia ficam desacreditados na opinião pública.
- Nada mais verdadeiro.
- Mas um homem mais velho não quererá cair em semelhante mania; imitará aquele que quer discutir e procurar a verdade, e não o que se diverte e contesta por prazer; será mais ponderado e tornará a profissão dialéctica mais honrosa em vez de a rebaixar.
- É exacto - disse ele.
- E não era o mesmo espírito de precaução que nos fazia dizer atrás que não se devia admitir nos exercícios da dialéctica senão caracteres ordenados e firmes e que não se devia, como agora, deixar aproximar dela um qualquer que para tal não revele a mínima inclinação?
- Sim, era - respondeu.
- Portanto, o estudo da dialéctica, quando nos entregamos a ele sem descanso e com ardor, com exclusão de qualquer outro trabalho, como se fazia para os exercícios do corpo, não exigirá muito mais do que o dobro dos anos consagrados a estes.