-Vamos ver um exemplo de uns e outros, a fim de enquadrá-los numa forma geral?
- Sim, vejamos.
- O desejo de comer, na medida em que a saúde e a conservação das forças o exigem, este desejo da alimentação simples e dos temperos não é necessário?
- Penso que sim.
- O desejo da alimentação é necessário por duas razões: porque é útil e porque não se pode viver sem o satisfazer.
- Assim é.
- E o dos temperos também, na medida em que contribui para a conservação das forças.
- Perfeitamente.
- Mas o desejo que vai além e incide sobre pratos mais requintados, desejo que, reprimido desde a infância pela educação, pode desaparecer na maioria dos homens, desejo prejudicial ao corpo, não menos prejudicial à alma no aspecto da prudência e da moderação, não o consideraremos com razão supérfluo?
- Com muita razão, certamente!
- Diremos, pois, que estes são desejos pródigos e os outros desejos proveitosos, porque nos tornam capazes de agir.
- Sem dúvida.
- E não diremos o mesmo dos desejos amorosos e dos outros?
- Pois não!
- Ora, aquele a quem há instantes chamávamos zângão é o homem cheio de paixões e apetites, governado pelos desejos supérfluos, e aquele que os desejos necessários governam é o homem parcimonioso e oligárquico.
- Com certeza.
- Voltemos agora - disse eu - à explicação da mudança que faz de um oligarca um democrata. Parece-me que, na maior parte das vezes, se processa da maneira seguinte.
-Como?
- Quando um jovem criado, como dissemos atrás, na ignorância e na parcimónia provou o mel dos zângãos e se viu na companhia desses insectos ardentes e terríveis que podem proporcionar-lhe prazeres de toda a espécie, infinitamente diversificados e matizados, é então, acredita, que o seu governo interior começa a passar da oligarquia à democracia.
- É forçoso que assim seja - disse ele.
- E, como o Estado mudou de forma quando um dos partidos foi socorrido de fora por aliados de um partido semelhante, de igual modo o jovem não muda de costumes quando alguns dos seus desejos são socorridos de fora por desejos da mesma família e da mesma natureza?
- Sem dúvida.