- E imaginaria tudo isso porque não conhece por experiência o alto, o meio e o baixo verdadeiros?
- Evidentemente.
- Espantar-te-á que os homens que não têm a experiência da verdade tenham de muitos objectos uma opinião falsa e que, relativamente ao prazer, à dor e ao seu intermédio, se achem dispostos de tal maneira que, quando passam à dor, a sensação que experimentam é exacta, porque sofrem realmente, ao passo que, quando passam da dor ao estado intermédio e acreditam firmemente que atingiram a plenitude do prazer, enganam-se, porque, à semelhança das pessoas que oporiam o cinzento ao preto, por não conhecerem o branco, opõem a ausência de dor à dor, por não conhecerem o prazer?
- Por Zeus! O contrário é que me espantaria!
- Agora - prossegui - concebe o caso da seguinte maneira. A fome, a sede e as outras necessidades semelhantes não são espécies de vazios no estado do corpo?
- Sem dúvida.
- E a ignorância e o contra - senso não são um vazio no estado da alma?
- São.
- Mas não se pode preencher estes vazios tomando alimento ou adquirindo inteligência?
- Como não?
- Ora, a plenitude mais real provém do que tem mais ou do que tem menos realidade?
- Evidentemente, do que tem mais realidade.
- Então, na tua opinião, destes dois géneros de coisas, qual participa mais da existência pura: o que inclui, por exemplo, o pão, a bebida, a carne e a alimentação em geral ou o da opinião verdadeira, da ciência, da inteligência e, numa palavra, de todas as virtudes? Julga da seguinte maneira. O que se liga ao imutável, ao imortal e à verdade, que é de natureza semelhante e se produz num sujeito semelhante, parece-te ter mais realidade do que o que se liga ao mutável e ao mortal, que é ele próprio de natureza semelhante e se produz num sujeito semelhante?
- O que se liga ao imutável - respondeu - tem muito mais realidade.
- Mas o ser do que muda sempre participa mais da essência do que da ciência?
- Não.
- E do que da verdade?
- Também não.
- Ora, se participa menos da verdade, não participa menos da essência?
- Necessariamente.
- Portanto, geralmente, as coisas que servem para a conservação do corpo participam menos da verdade e da essência do que as que servem para a conservação da alma.
- Muito menos.
- E o próprio corpo, comparado com a alma, não está neste caso?
- Está.