- Mas então - retorqui - não ousaremos avançar que os desejos relativos ao interesse e à ambição, quando seguem a ciência e a razão e procuram com elas os prazeres que a sabedoria lhes indica, alcançam os prazeres mais verdadeiros que lhes é possível experimentar, porque a verdade os guia, e os prazeres que lhes são próprios, se é verdade que o que há de melhor para cada coisa é também o que lhe é mais próprio?
- Mas é exactamente o que lhe é mais próprio.
- Assim, quando toda a alma segue o elemento filosófico e não se produz nela nenhuma revolta, cada uma das suas partes mantém-se nos limites das suas funções, pratica a justiça e, além disso, recolhe os prazeres que lhe são próprios, os melhores e os mais verdadeiros que lhe é possível gozar.
- Certamente.
- Mas, quando é um dos dois outros elementos que domina, resulta daí que este elemento não encontra o prazer que lhe é próprio; além disso, obriga os outros dois a procurarem um prazer estranho e falso.
- É assim mesmo.
- Mas não é, sobretudo, o que se afasta mais da filosofia e da razão que provocará tais efeitos?
- Com certeza.
- Ora, o que mais se afasta da razão não é precisamente o que mais se afasta da lei e da ordem?
- Evidentemente.
- Mas não vimos que os desejos amorosos e tirânicos são os que mais se afastam?
- Sim, vimos.
- E menos os desejos monárquicos e moderados?
- Sim.
- Por conseguinte, o mais afastado do prazer autêntico e próprio do homem será, julgo eu, o tirano; o menos afastado, o rei.
- Necessariamente.
- Assim, a vida menos agradável será a do tirano e a mais agradável a do rei.
- É incontestável.
- Mas sabes quanto a vida do tirano é menos agradável do que a do rei?
- Sim, se mo disseres.
- Há, segundo parece, três prazeres, um legítimo e dois bastardos; ora, o tirano, evitando a razão e a lei, transpõe o limite dos prazeres bastardos e vive no meio de uma escolta de prazeres servis; dizer em que medida é inferior ao outro não é nada fácil, excepto talvez da maneira seguinte.
- Como?
- A partir do homem oligárquico, o tirano está no terceiro grau, porque entre eles está o homem democrático.
-Sim.
- Ora, ele não coabita com uma sombra de prazer, que será a terceira a partir da do oligarca, se o que dissemos atrás é verdade?
-Assim é.
- Mas o oligarca é igualmente o terceiro a partir do rei, se contarmos como um só o homem real e o homem aristocrático.
- O terceiro, com efeito.
- Por conseguinte, é de três vezes três graus que o tirano está afastado do verdadeiro prazer.
- Assim parece.