Que Estado reconhece que foste para ele um bom legislador e um benfeitor? A Itália e a Sicília tiveram Carondas e nós Sólon, mas a ti que Estado te pode citar?» Poderia apontar um só que fosse?
- Não o creio - respondeu Gláucon. - Os próprios Homéridas não dizem nada.
- Mas que guerra se menciona, na época de Homero, que tenha sido bem conduzida por ele ou pelos seus conselhos?
- Nenhuma.
- Citam-se então dele, como de um homem hábil na prática, várias invenções engenhosas respeitantes às artes ou a outras formas de actividades, como se faz acerca de Tales de Mileto e de Anacársis, o Cita?
- Não, não se cita nada.
- Mas, se Homero não prestou serviços públicos, diz-se, ao menos, que tenha, durante a vida, presidido à educação de alguns particulares, que o tenham amado ao ponto de se prenderem à sua pessoa e tenham transmitido à posteridade Um plano de vida homérica, como foi o caso de Pitágoras, que inspirou uma profunda dedicação deste género e cujos seguidores ainda hoje chamam pitagórico ao modo de existência pelo qual parecem distinguir-se dos outros homens?
- Não, também nesse aspecto não se conta nada, porque Creófilo, o companheiro de Homero, expôs-se talvez mais ao ridículo pela sua educação do que pelo seu nome, se é verdade o que se conta de Homero. Com efeito, diz-se que este foi estranhamente desprezado em vida por essa personagem.
- Efectivamente, diz-se. Mas achas, Gláucon, que, se Homero tivesse estado realmente em condições de instruir os homens e torná-los melhores - possuindo o poder de conhecer, e não o de imitar -, achas que não teria feito muitos discípulos que o teriam honrado e estimado? Pois quê! Protágoras de Abdera, Pródico de Cós e muitos outros chegam a persuadir os seus contemporâneos, em conversas privadas, de que não poderão administrar nem a sua casa nem a sua cidade, se eles mesmos não presidirem à sua educação, e por esta sabedoria fazem-se amar tão vivamente que os seus discípulos os levariam em ombros quase em triunfo - e os contemporâneos de Homero, se este poeta tivesse sido capaz de ajudar os homens a serem virtuosos, tê-lo-iam deixado, a ele ou a Hesíodo, errar de cidade em cidade recitando os seus versos? Não se teriam ligado a eles mais do que a todo o ouro do mundo? Não os teriam forçado a ficar junto deles, no seu país ou, se não tivessem podido convencê-los, não os teriam seguido por toda a parte, até que recebessem uma educação suficiente?
- O que dizes, Sócrates, parece-me inteiramente verdadeiro.
