- Por conseguinte, é forçoso que o utente de uma coisa seja o mais experimentado e informe o fabricante das qualidades e defeitos da sua obra, relativamente ao uso que faz dela. Por exemplo, o tocador de flauta informará o fabricante acerca das flautas que poderão servir-lhe para tocar; dir-lhe-á como deve fazê-las e aquele obedecerá.
- Sem dúvida.
- Portanto, o que sabe pronunciar-se-á sobre as flautas boas e más e o outro trabalhará confiando no primeiro.
- Certamente.
- Assim, em relação ao mesmo instrumento, o fabricante tem, acerca da sua perfeição ou imperfeição, uma confiança que será exacta, porque está em ligação com aquele que sabe e é obrigado a ouvir as suas opiniões, mas é o utente quem tem a ciência.
- Perfeitamente.
- Mas o imitador estará na posse do uso da ciência das coisas que representa, saberá se elas são belas e correctas ou não - ou terá delas uma opinião recta porque será obrigado a pôr-se em ligação com o que sabe e a receber as suas instruções, quanto à maneira de representá-las?
- Nem uma coisa nem outra.
- O imitador não tem, portanto, nem ciência nem opinião recta no que respeita à beleza e aos defeitos das coisas que imita.
- Não, segundo parece.
- Será então encantador o imitador em poesia, pela sua inteligência dos assuntos tratados!
- Não tanto como isso!
- Contudo, não deixará de imitar, sem saber por que motivo uma coisa é boa ou má; mas, provavelmente, imitará o que parece belo à multidão e aos ignorantes.
- E que mais poderia fazer?
- Eis, pois, segundo parece, dois pontos sobre os quais estamos de acordo: em primeiro lugar, o imitador não tem nenhum conhecimento válido do que imita e a imitação é apenas uma espécie de jogo infantil; em segundo lugar, os que se consagram à poesia trágica, quer componham em versos jâmbicos ou em versos épicos, são imitadores em grau supremo.
- Com certeza.
- Mas, por Zeus! - exclamei. - Essa imitação não está afastada no terceiro grau da verdade?
- Está.
- Por outro lado, sobre que outro elemento do homem exerce o poder
que tem?
- A que te queres referir?
- A isto: a mesma grandeza, olhada de perto ou de longe, não parece igual.
- Não, por certo.
- E os mesmos objectos parecem quebrados ou inteiros consoante os olhamos na água ou fora da água, ou côncavos e convexos devido à ilusão visual produzida pelas cores; e é evidente que tudo isto lança a perturbação na nossa alma.