— E nós dizemos que os artesãos ganham salário porque acrescentas à sua arte a do mercenário.
Reconheceu-o a custo.
— Portanto, não é da arte que exerce que cada um retira esse proveito que consiste em receber um salário; mas, examinando-a com rigor, a medicina cria a saúde e a arte do mercenário dá o salário, a arquitectura edifica a casa e a arte do mercenário, que a acompanha, dá o salário, e assim todas as outras artes: cada um trabalha na obra que lhe é própria e aproveita ao indivíduo a que se aplica. Mas, se o salário não se lhe acrescentasse, tiraria o artesão proveito da sua arte?
— Não o creio — disse ele.
— E deixa de ser útil quando trabalha gratuitamente?
— A meu ver, não.
— Então, Trasímaco, é evidente que nenhuma arte e nenhum comando provê ao seu próprio beneficio, mas, como dizíamos há momentos, assegura e prescreve o do governado, tendo em vista a vantagem do mais fraco e não a do mais forte. É por isso, meu caro Trasímaco, que eu dizia há pouco que ninguém aceita de bom grado governar e curar os males dos outros, mas que se pede salário, porque aquele que quer exercer convenientemente a sua arte não faz e não prescreve, na medida em que prescreve segundo essa arte, senão o bem do governado; por estas razões, é preciso dar um salário aos que aceitam governar, seja dinheiro, honra ou castigo, se se recusarem.
— Que queres dizer com isso, Sócrates? — perguntou Gláucon. — Com efeito, conheço os dois salários, mas ignoro o que entendes por castigo dado à guisa de salário.