- Receias, suponho, que possa conduzir à sua detenção? - perguntou o advogado.
- Não - respondeu o médico. - Não posso dizer que me preocupe o que possa acontecer a Hyde; cortei totalmente com ele. Estava a pensar na minha própria pessoa, que esta situação odiosa já deixou bastante comprometida.
Utterson meditou por instantes; estava surpreendido com o egoísmo do amigo, mas, ao mesmo tempo, sentia-se aliviado.
- Pois bem - disse, por fim. - Deixa-me ver a carta. Estava escrita numa caligrafia estranha e vertical e assinada «Edward Hyde»: resumidamente, especificava que o Dr. Jekyll, benfeitor do signatário, a quem retribuíra as suas inúmeras generosidades de uma forma tão indevida, não necessitava de se apoquentar com a sua segurança, uma vez que dispunha de meios de fuga sobre os quais depositava inteira confiança. O advogado apreciou bastante esta carta; dava daquela intimidade uma imagem mais agradável do que imaginara; e censurou-se por algumas das suas recentes suspeitas.
- Tens o envelope contigo? - inquiriu.
- Queimei-o - respondeu Jekyll-, antes de pensar no que estava envolvido. Mas não tinha selo de correio. O bilhete foi deixado por mão própria.
- Posso guardá-lo para reflectir no que devo fazer? - perguntou.
- Quero que sejas tu a ajuizar inteiramente, em meu lugar. Perdi toda a confiança em mim próprio.
- Bem, vou estudar o assunto - replicou o advogado. - Agora, só mais uma pergunta; foi Hyde quem ditou os termos do teu testamento, no que diz respeito ao desaparecimento?