O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 1 / 102

O advogado Utterson era um homem de semblante carregado, que nunca se abria num sorriso; frio, parco e reservado no discurso; contido na expressão dos sentimentos; magro e alto, apesar do seu porte seco e rígido, ainda assim, inspirava alguma simpatia. Na companhia dos amigos, quando o vinho era do seu agrado, tinha no olhar um brilho profundamente humano; algo que nunca era correspondido por palavras, mas era bem visível não só no tácito simbolismo do rosto farto, mas também, com maior frequência e eloquência, nos actos da sua vida. Era austero consigo próprio: bebia gin quando estava só, para mitigar a sua preferência por vinhos de boas reservas; e, embora fosse apreciador de teatro, estava há vinte anos sem entrar numa sala de espectáculos. Todavia, manifestava uma certa tolerância pelos outros, chegando por vezes a admirar, quase com inveja, o fervor e a paixão com que praticavam o mal; e, em casos extremos, sentia-se mais inclinado a socorrê-los do que a censurá-los.

- Tenho alguma simpatia pela heresia de Caim - costumava dizer num tom estranho. - Deixo o meu irmão ir para o inferno da forma que melhor lhe aprouver.

Com esta atitude, o acaso ditava frequentemente ser ele o último amigo respeitável e a última influência benéfica nas vidas decadentes de alguns homens. E para estes, enquanto recorressem aos seus préstimos profissionais, nunca deixava transparecer qualquer alteração na sua atitude.

É verdade que tal feito não exigia muito esforço da parte do Sr. Utterson, já que, por natureza, era pouco expansivo; e mesmo a sua amizade parecia basear-se numa afinidade de sentimentos universais de benevolência.





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