O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 97 / 102

Depois disso, passou o tempo sentado no quarto a roer a unhas; aí jantou, sentado a sós com os seus medos, com o criado a tremer visivelmente diante do seu olhar; e em seguida, quando a noite caíra plenamente, instalou-se no canto de um coche fechado e foi conduzido pelas ruas da cidade. Digo «ele», porque não consigo dizer «eu». Aquele filho do Inferno nada tinha de humano; nele apenas habitavam o medo e o ódio. Quando, por fim, percebeu que o condutor começara a desconfiar de qualquer coisa, abandonou bruscamente o carro e prosseguiu o caminho a pé, por entre os transeuntes noctívagos, ataviado na sua indumentária andrajosa e atraindo todas as atenções, com aquelas duas paixões rugindo dentro dele como uma tempestade. Caminhava rapidamente, perseguido pelos seus medos, falando sozinho, esquivando-se pelas artérias menos frequentadas, contando os minutos que ainda faltavam para a meia-noite. Num dado momento, uma mulher dirigiu-se a ele, oferecendo-lhe, segundo creio, uma caixa de fósforos. Hyde esbofeteou-a na cara e a mulher fugiu.

Quando voltei a mim em casa de Lanyon, devo ter ficado algo afectado pelo horror do meu velho amigo: não sei. Afinal não era mais do que uma gota de água no mar de agruras por que passara naquelas últimas horas. Tinha-se operado uma transformação em mim. Já não era o medo das galés: o que me transtornava era o horror de ser Hyde. Recebi a condenação de Lanyon como se fizesse parte de um sonho; e em parte foi como num sonho que regressei à minha própria casa e me meti na cama.





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