-Vou dizer-lhe de que se trata, Argentin - disse ela por fim, empregando o nome favorito com que costumávamos substituir o de Silas. - Temos de mandar vir um fantasma de Londres.
- É preciso ser idiota, Mathilda - disse eu num tom severo. - Quem seria capaz de arranjar-nos isso?
- O meu primo Jack Brocket poderia - respondeu ela num tom seguro.
Este primo de Mathilda era, cá entre nós, um objecto assaz desagradável. Um jovem rapagão atrevido, muito espertalhão, que tentara diversas coisas, mas que a carência de perseverança impedira de triunfar em qualquer delas.
Tinha nessa altura um escritório em Londres, onde passava por comissionário de todos os géneros, mas na realidade só vivia de expedientes.
Mathilda arranjava-se de maneira a que a maior parte dos nossos negócios passassem pelas mãos de Jack. Isto poupava-me, sem dúvida, muito trabalho, mas descobri também que a comissão cobrada por Jack se elevava geralmente a um algarismo muito mais alto do que a soma de todos os artigos lançados na factura. O facto levara-me a insurgir-me contra qualquer tentativa de confiar novas comissões a este jovem cavalheiro.
- Oh, sim, ele poderia - insistiu Mrs. d'Odd, ao reparar no meu ar de desaprovação. - Recorda-se de que ele resolveu muito habilmente aquele caso da cimeira.
- Tratava-se apenas da restituição do brasão da antiga família, minha querida - protestei.
Mathilda fez um sorriso exasperante:
- Houve também a ressurreição dos retratos de família, meu querido - observou ela. - Há-de confessar que Jack os escolheu muito judiciosamente.
Pensei na extensa série de retratos que adornavam as paredes do meu grande vestíbulo.
Começava pelo pesado bandido normando e continuava com uma gradação muito regular de capacetes, de plumas, de conchas até ao sombrio personagem género Chesterfield que tem todo o ar de cambalear encostado a uma coluna, tão comovido está por ter recuperado um manuscrito virgem que aperta convulsivamente na mão direita.
