Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 4: CAPÍTULO III - A MULHER QUE O MUNDO DESPREZA Pág. 65 / 156

Desde esse dia, comecei a sentir os espinhos da minha posição. Caí numa modorra de tristeza, mais dolorosa que a miséria. Se ia ao teatro, era violentada: se me vestia, a capricho do barão, fazia-o tão contrariada que ele rompia em desatinos contra mim, dizendo-me que eu já o não amava... como se eu o tivesse amado algum dia! O ódio a minha mãe recrescia, quanto mais eu entrava na consciência da minha perdição e no preço das galas com que eu insultava a virtude honesta. A minha grande desgraça, senhor, era eu não poder destruir os sentimentos da dignidade, talvez herdados do meu pai, que fora honrado. As mulheres na minha posição começam a ser felizes quando se enterram de todo no charco das torpezas.

Um dia, estava eu à janela, e vi passar a minha mãe com a filha mais nova. Retirei-me, quando ela me ia acenar com a mão; mas ficaram-me os olhos na criança, e escondi-me a chorar. O barão encontrou-me a enxugar as lágrimas; contei-lhe a causa; e ele, querendo consolar-me, disse-me que a minha mãe e irmãs estavam vivendo fartas e com decência à minha sombra, e acrescentou que, enquanto eu me portasse bem, não lhes faltaria nada. Pedi-lhe que me deixasse ter na minha companhia a mais nova das minhas irmãs. Não quis, nem mesmo concedeu que ela me visitasse alguma vez. Ora isto, e muitas outras contradições que fazem o desgosto da vida íntima, conseguiram desvanecer pouco e pouco a amizade que eu cheguei a dar-lhe, mais por amor da piedade com que me tratou na minha pobre casa que pela opulência com que me tinha na sua. Entrei a pensar no modo de me resgatar do cativeiro; porém, não via nenhum que não fosse aumentar o meu infortúnio.

Lembrei-me de ir para uma terra da província ensinar meninas; mas eu escrevia tão mal, e lia tão pouco, que de certo me rejeitariam.





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