Gente de Dublin - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 67 / 117

As raparigas do lado puseram alguns pires na mesa, com diversas coisas dentro, conforme o uso naquele dia e, depois, vendaram os olhos às crianças, fizeram-nas aproximar da mesa a fim de ver o que tiravam. Uma tirou um livro de orações; as outras três meteram os dedos em água. Quando uma das raparigas apanhou um anel, Mrs. Donnelly disse-lhe, fazendo-a corar: «Eu bem sei o que isso quer dizer!...» Depois insistiram em vendar os olhos a Maria, para ver o que lhe calhava. Enquanto punham o lenço, Maria ria-se tanto que a ponta do nariz quase tocava na ponta do queixo. Guiaram-na até à mesa, entre risos, e levantaram-lhe a mão. Ela tacteou os pratos e parou ao sentir nos dedos uma substância húmida e mole, ficando surpreendida por não ouvir ninguém falar. Nem sequer lhe tiraram o lenço dos olhos. Começou a ouvir que cochichavam. Alguém disse qualquer coisa a respeito do jardim e, passados momentos, Mrs. Donnelly mandou uma das raparigas deitar aquilo fora, porque não servia para o Jogo. Maria percebeu que a sorte não correra bem e que voltaria a tirar qualquer outra coisa. A segunda vez, conseguiu um livro de orações.

Depois daquilo, Mrs. Donnelly tocou novamente para os filhos, e Joe fez com que Maria bebesse um copo de vinho e em breve estavam todos novamente contentes. Mrs. Donnelly declarou que Maria entraria para um convento antes de acabar o ano, porque havia tirado um livro de orações... Maria nunca vira Joe tão agradável como naquela noite, cheio de atenções e de reminiscências. Agradeceu as gentilezas que todos lhe dispensaram.

Por fim, as crianças ficaram cansadas e sonolentas, e Joe pediu que Maria cantasse uma das velhas canções, antes de se ir embora. Mrs. Donnelly também insistiu, de modo que Maria teve que se levantar e colocar-se ao pé do piano. Mrs. Donnelly fez com que as crianças ficassem quietas e ouvissem a cantiga. Depois, tocou o prelúdio e disse: «Agora, Maria!...» Ela, corando muito, começou a cantar numa voz entrecortada, «Sonhei que vivia», e quando chegou ao segundo verso, repetiu o primeiro:

Sonhei que vivia em salas de mármore, com vassalos e servos a meu lado

e de todos os que aí se reuniam

eu era a esperança e o orgulho.

Possuía riquezas enormes que não podia avaliar,

e também um nome belo e ancestral,

mas também sonhei, e isso me fez [imensamente feliz

que tu me continuavas a querer-me bem como antigamente.

Mas ninguém lhe revelou o seu engano.





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