Mas, através dessa admiração e do prazer de roçar por ele, percebia-se-lhes um vago medo que aquele «robusto talento» lhes pedisse, num vão de janela, duas ou três moedas. O Neves no entanto celebrava o Gouvarinho como orador. Não que tivesse os rasgos, a pureza, as belas sínteses históricas do José Clemente! Nem a poesia do Rufino! Mas não havia outro para as piadas que ferem e que ficam cravadas, ali a arder, na pele do touro! E era a grande coisa na Câmara - ter a farpa, sabê-la ferrar!
- Ó Gonçalo, tu lembras-te da piada do Gouvarinho, a do trapézio? gritou ele virando-se para a janela, para o rapaz de jaquetão claro.
O Gonçalo, cujos olhos pretos refulgiram de agudeza e malícia, estendeu o pescoço magro num colarinho muito decotado, lançou de lá:
- A do trapézio? Divina! Conta à rapaziada!
A rapaziada arregalou os olhos para o Neves, à espera da «do trapézio». fora na amara dos Pares, na reforma da instrução.
Estava falando o Torres Valente, esse maluco que defendia a ginástica dos colégios e queria as meninas a fazerem a prancha.
Gouvarinho ergue-se e atira-lhe esta:
«Sr. presidente, direi uma palavra só. Portugal sairá para sempre da senda do progresso, em que tanto se tem ilustrado, no dia em que nós formos ao ensino, com mão ímpia, substituir a cruz pelo trapézio!»
- Muito bem! rosnou um dos padres profundamente satisfeito.