Gente de Dublin - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 34 / 117

Ele confortou-a fracamente, dizendo-lhe que não chorasse, que tudo acabaria bem, que não tivesse receio. Sentia de encontro à sua camisa a agitação dos seios da rapariga.

Não fora só por culpa dele que aquilo acontecera. Lembrava-se perfeitamente das primeiras carícias casuais, que os vestidos dela, a respiração e os seus dedos, lhe tinham dado. Depois, uma noite, já tarde, quando se despia para se meter na cama, ela batera-lhe levemente na porta. Queria acender a sua vela, porque a dela apagara-se com o vento. Fora a sua noite de banho, vestia um longo roupão de flanela florida. O peito do pé muito branco aparecia nas suas chinelas abertas, e o sangue corria-lhe quente, sob a pele perfumada. Também das suas mãos e dos pulsos, enquanto acendia a vela, subia um perfume suave.

Nas noites em que vinha para casa tarde, era ela que lhe aquecia o jantar. Ele quase nem percebia o que estava a comer, sentindo-a só a seu lado, de noite, naquela casa adormecida. E que cuidados Polly tinha! Se a noite estava fria, húmida ou ventosa, era certo encontrar um copo de punch preparado, à sua espera. Talvez pudessem ser felizes, juntos...

Costumavam os dois subir as escadas nos bicos dos pés, cada um com a sua vela e no terceiro andar trocavam umas relutantes boas-noites. Costumavam beijar-se. Bob lembrava-se bem dos olhos dela, das suas carícias e do seu delírio...

Mas os delírios passam. Repetiu como um eco a frase de que ela se servira, mas, agora, referindo-se-lhe: «Que hei-de eu fazer?» O instinto do celibato prevenia-o de que recuasse. Mas o pecado ali estava, e a sua honra dizia-lhe que a reparação era necessária.

Enquanto permanecia sentado com Polly a seu lado na borda da cama, Mary bateu à porta e disse que a senhora lhe desejava falar. Bob levantou-se para enfiar o casaco. Sentia-se mais desamparado do que nunca. Quando acabou de se vestir, voltou-se para Polly, a fim de a confortar. Tudo havia de correr bem, que não tivesse medo. Deixou-a a chorar em cima da cama, resmungando:

- Ai, meu Deus!

Enquanto descia as escadas, os óculos ficaram de tal maneira embaciados que teve de tirá-los para os polir. O que ele mais desejava era fugir, fugir pelo telhado e voar para outra terra onde nunca mais ouvisse falar daquelas coisas, e no entanto uma força o puxava para baixo, de degrau em degrau. As caras implacáveis do seu patrão e de Madame estavam à frente da sua derrota.





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