Gente de Dublin - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 54 / 117

Finalmente, um dia a rapariga falou-me.

Quando me dirigiu as primeiras palavras, fiquei de tal maneira confundido que não fui capaz de responder. Perguntou se eu ia a Araby. Não sei se lhe respondi sim ou não.

- Deve ser um esplêndido bazar - disse ela - e gostava imenso de lá ir.

- E porque não vai? - Perguntei. Enquanto falava, a rapariga ia enrolando uma pulseira em volta do braço. Não podia ir, porque naquela semana havia um retiro no convento... O irmão e outros dois rapazes lutavam pelos bonés, e eu estava sozinho encostado às grades. Ela inclinou a cabeça na minha direcção. A luz do candeeiro que ficavà em frente da nossa porta apanhava a curva branca do seu pescoço, iluminando-lhe o cabelo e a mão em que se apoiava, resvalando para um dos lados do seu vestido.

- Aquilo é bom para ti - disse ela.

- Se eu for, hei-de trazer-lhe qualquer coisa.

Quantas inumeráveis maluqueiras me passaram pelo pensamento de dia e de noite depois daquela tarde! Gostaria de aniquilar aqueles aborrecidos dias de espera. Irritava-me com o trabalho da escola. Durante a noite, no meu quarto, e durante o dia, na minha aula, a sua imagem sobrepunha-se aos livros. As sílabas da palavra Araby eram evoca das por mim através do silêncio, no qual a minha alma vicejava.

Pedi licença para ir ao bazar no sábado à noite. Minha tia ficou admirada. Eu respondia a poucas perguntas durante a aula. Surpreendia a cara do professor variando de expressão, desde a amabilidade até à rigidez; ele esperava que eu não começasse a mandriar. No entanto, era-me impossível reunir ideias. Quase não tinha paciência para o trabalho sério da vida, que se interpunha entre mim e o meu desejo. Aquilo parecia-me um trabalho infantil, feio e monótono.

Na manhã de sábado, tornei a lembrar a meu tio que desejava ir ao bazar naquela noite. Ele procurava a escova dos chapéus, e respondeu-me duma forma curta:

- Sim, meu rapaz, já sei.

Como estava no hall, não podia atravessar para a sala da frente e estender-me ao pé da janela. Deixei a casa de mau humor e fui vagarosamente para a escola. O ar estava cruelmente agreste e o meu coração logo começou a recear.

Quando voltei a casa para jantar, meu tio ainda não chegara. Também, ainda era cedo. Sentei-me, olhando sempre para o relógio, e quando o seu tiquetaque me começou a irritar, abandonei o aposento. Subi as escadas e fui para a parte superior da casa.





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