Camões - Cap. 1: CANTO PRIMEIRO Pág. 14 / 177

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Degenerados netos, ousaremos

Nossos livres avós taxar de bárbaros?

XIII

Vira o Tejo suas águas cristalinas

Roxas ali de sangue; e o breve espaço

Do curvo esquife não tivera as iras

Da mal-avença aos dous, se um poder alto,

Tão forte quanto é meigo, não viera

Intervir na disputa malferida.

Num canto do escaler, humilde e absorto

Em pensamentos que não são da terra

Um velho, em que até’li não atentaram

Indiferentes olhos, se assentara.

Alvejavam-lhe as cãs das longas barbas

No burel negro que lhe cobre o peito.

O tempo, que tão longo tem passado

Pela acurvada frente, lhe ceifara

Messes em que talvez a mocidade

Viçosa lourejou: hoje o que resta,

- Raro respigo ao segador caído -

Tira à cor baça do ligado argento.

Como que a humanas cousas retirados,

Se encovaram nas faces descaídas

Os olhos, onde a luz quase assemelha

À lâmpada que ardeu no tabernáculo

Inteira a noute, e ao arraiar do dia

Falece à míngua d’óleo.





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