Ecce Homo - Cap. 8: Aurora Pág. 73 / 115

fazer calara verdade que demonstra justamente o contrário: a humanidade esteve até agora nas piores mãos, foi governada pelos deserdados, a quem anima a sede de astuciosa vingança, os chamados «santos», caluniadores do mundo, que mancham a raça humana.

O sinal incontroverso de que o sacerdote (incluindo os padres mascarados, ou filósofos) se tornou senhor não só numa comunidade religiosa, mas de modo geral, e que a moral da decadência, a vontade do fim, passa por moral em si, está naquele absoluto de que sempre se reclamaram os não-egoístas e em nome do qual se perseguiam todos os egoístas. Quem neste ponto não está de acordo comigo, considero-o empestado... Mas é o mundo inteiro que não está de acordo comigo... Para um fisiologista, dúvida alguma tem uma tal contradição de valores. Quando, num organismo, determinado órgão, por mais modesto, se afasta da forma e ritmo peculiares, desviando-se da função própria, e assim, mesmo que seja em pequena medida, o conjunto se altera, logo o fisiologista exige a ablação do que degenerou, nega toda a solidariedade com essa parte, está bem longe de ter piedade dela. O sacerdote, porém, «quer» precisamente a degenerescência do conjunto da humanidade: eis por que conserva o que degenerou - e eis o seu processo de domínio...

Que sentido têm estas concepções enganadoras, estas concepções auxiliares da moral, «alma», «espírito», «livre-arbítrio», «Deus», senão o de arruinar fisiologicamente a humanidade?.. Quando se põe de lado a importância da conservação de si mesmo, do aumento da energia somática, isto é, da vida; quando da consumpção mórbida, do desprezo do corpo, da «saúde da alma» se constrói um ideal - que outra coisa se faz senão uma receita de decadência? A perda de equilíbrio, a resistência contra os instintos naturais, numa palavra, o «desinteresse» - eis o que até agora se chamou moral.





Os capítulos deste livro