Gente de Dublin - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 49 / 117

As palavras de Mr. Cunningham evocaram a grandiosa imagem da Igreja no espírito dos ouvintes. A voz profunda tinha-os feito estremecer ao pronunciar a palavra de fé e de submissão. Quando Mrs. Kernan entrou no quarto, limpando as mãos, encontrou todos muito solenes. Não perturbou o silêncio, encostando-se às grades da cama.

- Vi uma vez John Mac Hale. Enquanto viver nunca me esquecerei disso - exclamou Mr. Kernan.

Voltou-se para a mulher, como se solicitasse confirmação.

- Falei-te nisso várias vezes? Mrs. Kernan concordou.

- Foi na inauguração da estátua de Sir John Cray. Enquanto Edmund Durger Gray discursava, o velho olhava-o por baixo das sobrancelhas.

Mr. Kernan franziu o sobrolho e, baixando a cabeça como um toiro zangado, olhou para a mulher.

- Meu Deus! - exclamou, assumindo a sua expressão costumada. - Nunca vi olhos assim em nenhuma cabeça humana... Tinha olhos de falcão...

- Nenhum dos Grays prestava... - sentenciou Mr. Power.

Sobreveio outra pausa. Depois, Mr. Power voltou-se para Mrs. Kernan e disse com jovialidade:

- Bem, Mrs. Kernan, vamos fazer do seu marido um bom católico...

Estendeu o braço, abrangendo todos:

- Vamos fazer um retiro juntos e confessar os nossos pecados - e Deus sabe como precisamos disso...

- Não me importo - afirmou Mr. Kernan, sorrindo nervosamente.

Mrs. Kernan achou melhor esconder a sua satisfação e disse:

- Tenho pena do pobre padre que os há-de aturar!...

A expressão de Mr. Kernan mudou.

- Se não gostar - disse ele explicita¬mente - pode fazer outra coisa... Mostrar-lhe-ei o meu pesar. Não sou assim tão mau rapaz ...

Mr. Cunningham interveio:

- Todos nós renunciamos ao Diabo ¬disse ele. - Todos juntos, não esquecendo os seus trabalhos e as suas pompas.

- Para trás de mim, Satanás! - disse Mr. Fogarty rindo e olhando para os outros.

Mr. Power nada disse, mas uma expressão de alegria passou-lhe pelo rosto.

- Tudo o que temos a fazer - afirmou Mr. Cunningham - é estar de pé com uma vela acesa na mão e renovar os nossos votos de baptismo!

- Não se esqueça da vela, Tom - disse Mr. M’ Coy.

- O quê? - fez Mr. Kernan. - Tenho que levar uma vela?

- Tem - disse Mr. Cunningham.

- Ao diabo as velas! - exclamou Mr.

Kernan. - Farei o trabalho todo direito. Confessar-me-ei e prestar-me-ei a essas confusões todas... mas... velas não... Dispenso as velas!

- Oiçam isto! - disse a mulher.





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