Graças a esse curativo e aos cuidados da caridosa enfermeira, no fim de oito dias achava-se inteiramente fora de perigo.
Durante essa forçada reclusão, as dores físicas o incomodavam menos do que as inquietações do espírito e as amarguras do coração.
Lúcia não lhe saía do pensamento. Nos sonhos delirosos da febre ela lhe aparecia, ora risonha e feliz ao lado de um esposo, amável e brilhante cavalheiro; e então lhe escapavam bramidos roucos de raiva e desespero, que pareciam despedaçar-lhe o peito. Ora a via pobre e envolta nos andrajos da miséria, mas pura, santa e sempre fiel à lembrança de seu 85 amor; e então lágrimas doridas lhe rebentavam dos olhos; chorava e soluçava como uma criança. Sabia que com a prisão de Leonel achava-se desfeito o casamento de Lúcia, que o Major estava arruinado, e que a miséria em breve prazo o esperava a ele e a toda a família. Esta consideração o enchia de amargura; então mais que nunca maldizia o infame embusteiro que o iludira, praguejava a sorte e blasfemava contra o céu.
Na sua pobre cabana ninguém o vinha ver, porque ninguém o supunha ali, crendo todos, em razão do seu desaparecimento, que tinha saído da Bagagem.
Um dia disse-lhe a velha caseira:
- Meu moço, Vmcê. Está aqui tão só, não tem com quem conversar; isto não está bom; não quer que eu chame algum de seus amigos para entreter o tempo?
- Amigos!... oh! minha velha; pelo amor de Deus! não me fale nos amigos da Bagagem, quisera antes ver o rosto de Satanás.
- Pois como?... não há por aí nem uma viva alma com quem tenha tomado caipora? !...
- Nenhuma, minha velha, nenhuma!... mas não... minto... havia uma: um velho e pobre camarada. Em vão tenho perguntado por ele... ninguém me dá notícias; nem sei se é vivo ou morto.