A alucinação, a doença dos nervos, a demência, enfim, explicam o crime, e deviam no máximo das vezes absolver a mãe que mata o seu filho, o filho que mata o seu pai e a mulher que se dá em alma e corpo aos Anselmos Sanches.
Posto isto, dispensam a história das repugnantes conjeturas, que então fiz, sobre o inarrável mistério dos amores de Rita e Anselmo. Indulte-se a infeliz em nome da depravação do nervo ótico, em nome da física e da patologia, em nome da caridade evangélica, em nome de tudo que move à lástima, à piedade e ao perdão.
Rita amava Sanches: aceitou o facto consumado. Ora Francisco José de Sousa, ileso da enfermidade visual da sua mulher, via o doutor, qual a natureza o fabricara, feio, canhestro, mazorral, abrutado, refratário aos dardos do deus de Gnido. Embalde se cansaria a malquerença insinuando ao brasileiro com cartas anónimas - expediente em voga, e creio mesmo que inventado no Porto - a suspeita de que a sua mulher encarava no doutor com olhos menos ajuizados que os dele marido.
E a suspeita era já de si tão absurda que não houve no Porto alma de sobra danada que denegrisse, até rebentar o escândalo, a virtude conjugal de Rita.
D. Margarida Carvalhosa disse-me um dia :
- Vou contar-lhe uma enjoativa novidade, Sr. Silvestre. Prepare-se para rebater um ataque de inveja.
- De inveja, minha querida senhora? Vai Vossa Excelência dizer-me que mimoseou o mais feliz dos mortais com o seu coração?... Invejo, realmente invejo...
- Cale-se. Não se trata de mim: é um escândalo.
- Ah!... disse-me Vossa Excelência logo que era um escândalo: ser-me-ia impossível associar o nome da vossa Excelência a um escândalo. Trata-se de Guilherme do Amaral? Do barão de Bouças? De Cecília? De João José Dias?
- Não, senhor.