- Quais?! Do processo não consta alguma, nem o senhor aduziu alguma na sua defesa.
- As minhas testemunhas depõem em silêncio.
- Isso é absurdo.
- Pois, Sr. Dr. Juiz, creia Vossa Senhoria no absurdo, como Tertuliano: “Quod absurdum, credo.”
- Não tenho que ver com Tertuliano; provas de arguição é do que a lei conhece aqui. Quem são as três testemunhas?
- É um marido que está prostrado de vergonha e de aflição num leito. É a mulher deste marido, que está doida. É uma órfã, recolhida nas Ursulinas de Braga, que está... prostituída. São estas as três testemunhas.
Anselmo Sanches pôs os olhos no tecto e exclamou:
- Ó Céus!
- É a repetição da calúnia, que o Sr. Silvestre nos está dando? - interpelou o juiz.
O juiz recolheu-se ao santuário da sua consciência. Reinou profundo sossego de meia hora, finda a qual os autos passaram à mão do escrivão, que leu a sentença.
Fui condenado em cinquenta mil réis de multa, três meses de prisão e custas do processo.
Bati, como Galileu, o chão com o pé e disse: “Seja como for, o Sr. Sanches é um infame.”
Paguei a multa e custas e remi o tempo de prisão a dinheiro.
Anselmo Sanches recebeu os emboras dos seus numerosos amigos.
A mim deram-me o epíteto de caluniador convicto. Os jornais acharam cordata a sentença e lamentaram que as aberrações do bom senso comprometessem a imprensa em semelhantes derrotas, desprestigiando-a e armando contra ela os inimigos.
Olhei em derredor de mim, procurando amigos que me roborassem a consciência da minha justiça, esmagada a coices dos seus sacerdotes. Fugiam das minhas declamações os que me tinham excitado a verberar o doutor.
Tive então nojo mortal da sociedade e de mim, que Deus fizera de um barro menos vil, mas amassado no fel e vinagre do que se chama força da alma e desprezo do martírio.