Gostei desta patriarcal franqueza e desci à cozinha, onde encontrei sobre a mesa do escabelo, adorno da lareira, uma tigela vermelha vidrada com requeijão e um pichel reluzente de estanho a transbordar de espumoso vinho verde. Tomásia sentou-se do outro lado e comeu e bebeu como a filha de Labão com Jacob.
Conversámos nestes termos também patriarcais:
- Quantos anos tem a Sra. Tomásia? - perguntei.
- Vinte e seis, feitos pela Santa Luzia.
- Muito bem empregados. Admiro que vossemecê não esteja ainda casada!
- Ainda não é tarde.
- Também digo: mas quem é tão bonita como a Sra. Tomásia onde quer acha um noivo.
- Sou sã e escorreita. Deus louvado. Se lhe pareço bonita, isso é dos seus olhos. Coma uma colher de requeijão, e beba, que o vinho está muito fresco.
- Está excelente, mas eu não posso mais.
- Então fraco homem é!
- Almocei contra o meu costume. Estou afeito a almoçar leves de café ou chá.
- Credo! Vossemecê bebe chá por almoço?!
- Pois então!
- Ora essa! Cá em casa há chá, que compra o meu tio padre João, mas é para as dores de barriga. À minha boca nunca ele foi, em boa hora o diga!
- As comidas fortes dão-se bem com o seu estômago?
- Ora se dão! Nunca estive doente dois dias a fio.
- Costuma cear?
- Pudera não! Almoço, janto, merendo e ceio: é o costume cá de casa; e vossemecê?
- Eu começo agora, desde que vim para a aldeia, a comer melhor; mas não pude ainda habituar-me a cear.
- Pois quem não ceia, toda a noite rabeia: é ditado dos velhos. Então não come mais?
- Mais nada.
- Pois se quer vir daí à casa da eira, eu vou lá ver o que fazem os rapazes. Isto de servos, se a gente lhe tira os olhos de cima, pegam a mandriar que não fazem nada. Quer vir?
- Com muito gosto.
Tomásia encheu um grande cabaz de fruta e uma cabaça de vinho.