- Levo isto aos rapazes - disse ela - porque eles, quando eu chego à sua beira, estão sempre a olhar-me para as mãos.
- Se quer, eu levo a cabaz e o vinho - disse eu.
- Não é preciso: eu posso bem com isto.
- Ao menos deixe-me levar uma das coisas.
- Então leve a cabaça, que pesa menos.
Caminhámos ombro a ombro para a casa da eira. Tomásia parou muitas vezes a saudar os velhos e velhas que ia encontrando.
Os velhos diziam-lhe:
- Deus te guarde, flor.
E as velhas já de longe vinham dizendo:
- Aí vem o anjinho do Céu, a mãe da pobreza.
E ela ia tirando do cabaz alguns punhados de fruta para dar às que não a tinham da sua casa.
Passámos no adro da igreja.
Em frente da porta principal, Tomásia depôs o cesto sobre o baixo muro do adro, olhou para os olhos do santo, que tinha o seu nicho sobre a padieira da porta, fez curta oração, benzeu-se e tomou o cabaz.
Ao assomarmos ao beirado da eira, os criados, que andavam a limpar o centeio com pás e peneiras, redobraram de canseira.
- Assim que nos lobrigaram - disse Tomásia -, olhe como eles labutam! São uns calaceiros daquela casta!
E, levantando a voz, disse:
- Venham à fruta, a ver se refrescam. O serviço que vocês todos seis Têm feito fazia-o eu sozinha com uma perna às costas. Sempre estão umas rabaças, vocês!
Enquanto os criados comiam sofregamente as cerejas, as peras, os malápios e os gelemendes, Tomásia, ora com a pá, ora com a peneira, limpou uma rima de centeio, procurando a eminência mais ventilada da eira. O vento sacudia-lhe levemente a fimbria da saia de chita curta de grandes rofegos na cintura. Como erguia os braços ao alto, as largas mangas da camisa arregaçavam até aos ombros, e os folhos alvíssimos do peitilho, soprados pela viração, descobriam-lhe o seio, até onde o vento pode descobrir sem desairar o pudor.