Antevia a uniformidade, no trabalho sem fadiga e no respeito e estima dos meus conterrâneos. Lia da minha pequena livraria os poetas bucólicos, e especialmente relia e decorava uma ode de Meléndez que principiava assim:
Ya vuelvo a ti pacífico retiro:
Altas colinas, vale silencioso
Término a mis deseos,
Faustos me recebid; dadme el reposo
Por que en vano suspiro
Entre el tumulto y tristes devaneos
De la corte enganosa:
Con vuestra sombra amiga
Mi inocencia cubrid, y en paz dichosa
Dadme esperar el golpe doloroso
De la parca enemiga...
Algumas vezes interrogava a minha consciência, perguntando-lhe se eu amava Tomásia. Não me respondia, por se julgar desautorizada para a resposta. Ao coração é que tocava o discutirmos semelhantes pontos de pouquíssima importância para o complemento da minha felicidade. Eu tinha lido a Bíblia e não vira lá os patriarcas oferecendo ou pedindo amor às mulheres com quem se esposavam. Booz não diz a Rute que a ama. Jacob, conquanto dessimpatize com os olhos doentios de Lia, não se declara amoroso de Raquel. Abraão casou com Sara sem se despender em maravalhas do coração. Na idade de ouro, a mulher era a fêmea do homem: casavam para procriarem, segundo suas espécies, e procriando envelheciam ditosos.
O amor inventou-o depois o estragamento dos bons costumes gregos e romanos, como coisa necessária e acirrante aos paladares botos dos filhos viciosos das cidades.
Ainda agora nas aldeias, afastadas dos focos da corrupção, coisa que eu nunca ouvi dizer é: “A Maria do Ribeiro ama o António da Capela.” Lá não se diz ama; é querem-se. “Querem-se” é outra coisa; é amalgamarem-se num só ser, numa só vontade, numa identidade de alma e corpo tal, e tão uma que nem sequer pensam se há desgraça com força de desuni-los aquém da morte.