E para lá da sepultura ainda eles têm como segura a vida imortal em união de penas ou glórias.
O amor dispensa-se onde está a profunda estima. Lá nesses consórcios bem- aventurados que florescem obscuros nas gargantas das serranias e nas selvas que bordam as margens dos rios não há tempo nem ocasião de discutirem subtilezas do coração. Crê-se ali que o vínculo é eterno e o sacramento do matrimónio uma religião, ou o dogma mais sacratíssimo dela. Pode ser que nem isto mesmo pensem: o que eles deveras sabem é que são felizes.
Eu pensava nestas e noutras coisas quando me estava a preparar para entregar a minha vida às quietas delícias de um casamento que faria rir de piedade os meus amigos.
***
Fui.
No carvalhal que forma o ádito da povoação de Soutelo esperavam-me os quatro clérigos, o sargento-mor, o abade, o boticário e o juiz eleito. Abraçaram- me todos sem ser apresentado aos três personagens que ampliavam o círculo das minhas relações. Aquela boa gente das aldeias vem direita a um homem, dá-lhe um abraço de amolgar as costelas e levanta-o ao ar na veemência da sua credulidade. Coisa que nunca por lá me disseram foi: “Aqui lhe apresento o Sr. Fulano”.
Os Fulanos da aldeia julgam-se sempre assaz visíveis para dispensarem que outrem diga deles: “Aqui lho mostro”.
Abalámos dali para casa.
Tomásia veio receber-me ao patim da escada e logo me perguntou pelo Agnus Dei. Mostrei-lho, tirando-o do peito. A contente rapariga beijou a relíquia e disse:
- Vê meu pai? Cá o tem ao peito. Vossemecê dizia que o Sr. Silvestre não punha isto!... Eu bem sabia que ele era cristão!
Estava a mesa posta e coberta de pratos de trutas e escalos, entre açafates de fruta.
Merendámos e ficámos em palestra na varanda de cantaria até ao toque das ave-marias.