º 101, segundo andar.
Naquele dia vim para Lisboa, visto que o meu amigo se retirava. Quinze dias seguidos fui à Rua da Rosa, e vi sempre fechadas as janelas do segundo andar.
Decara morava uma estanqueira. Afreguesei-me para lhe captar a benevolência: e, ao décimo sexto dia, perguntei-lhe quem morava naquela casa.
- Ali mora um sujeito que é empregado no contrato do tabaco - disse ela.
- E tem família?
- Tem sim senhor. Vejo lá umas duas ou três meninas que me parecem irmãs dele, ou coisa parecida.
- Uma de olhos pretos e cabelos cor de azeviche, será irmã? - a falar-lhe a verdade, senhor, a cor que ela tem nos olhos e no cabelo na sei. Ali há uma bonitota, que é mais triste que as outras e está sempre a ler, aos dias santos. As outras têm assim um ar de doidas, que faz rir a gente. Namoram de lenço branco e à meia-noite estão à janela a papaguear para a rua, que é mesmo um escândalo. Que eu, a falar a verdade, meto-me cá com a minha vida e não quero saber quem é, nem o que faz, a vizinhança.
- Sabe dizer-me onde estão agora?
- Estão fora da terra; mas onde, não sei. Ontem andavam lá a lavar a casa; é que não tardam aí.
Nesse mesmo dia, à noite, encontrei no Marrare das Sete Portas o cavalheiro que me tinha apresentado à mulher querida, em Porto Brandão. Falámos muito da divertida noitada e nas mulheres que converteram em paraíso terreal a casinha campestre. Ébrio de amor, deixei-me ir ao sabor do coração indiscreto e falei na mulher, cuja imagem me não dera tréguas de uma hora ao espírito cobiçoso dela. O sujeito destramente se insinuou na minha confiança e conseguiu que eu lhe dissesse a morada da dama a quem ele me apresentara.
Riu-se o indivíduo, e sofreou logo a expansão.
- De que ri Vossa Senhoria? - Perguntei com desgosto.