Expôs-me ardentemente as suas raivas e ciúmes, quando me via namorar as vizinhas; e confessou que tivera o satânico pensamento de envenenar Catarina, quando eu a amava, e era amado, tendo ela depositado no coração da desleal amiga o seu segredo.
Os dias corriam plácidos e felizes para nós, quando D. Martinha tomou uma criada, que era mulata.
Mas que anjo das estuosas zonas onde a pele está calcinada, como devem está-lo as fibras do coração! Que mulata!, que inferno de devorante lascívia ela tinha nos olhos! Que tentação, que doidice me tomou de assalto apenas a vi em roda do meu leito, fazendo a cama! O menor trejeito era uma provocação; o frémito das saias era um choque da pilha galvânica! Ó minha virtude pudibunda! Estavas estragada por D. Martinha!
Amei a mulata, com todo o ardor do meu sangue e dos meus vinte anos! Pedi-lhe amor, como se pede a um Serafim de neve e rosas, a quem a gente ajoelha e ora de longe, com medo de os desmanchar com o bafo. Quando a exorava, parece que os nervos me retorciam os músculos; e os músculos se contraíam em espasmos de luciferina delícia! Lembra-me que me ajoelhei aos seus pés um dia, beijando-lhe as mãos, que perfumavam o aroma de cebola do refogado. Melhor me lembra ainda que me ergui dos seus pés vitorioso, e feliz como nunca um réu perdoado se ergueu dos pés de rainha do Congo!
Perguntai às aves do céu, e às alimárias dos pedregais africanos, como se amam!
O meu amor tinha da ave a meiguice e do tigre a insaciável sofreguidão.
A mulata sabia que eu tinha amado a ama e era ainda perseguido por ela. Disse-lhe eu que a tolerava por compaixão do seu aferrado afeto. Riu-se a mulata e disse: “Uma vez hei de mostrar-lhe a Sra. D. Martinha no momento em que ela for mais digna da sua compaixão.