Liquidada a venda de algumas propriedades, que a minha boa mãe, com engenhosa compaixão dos meus desatinos, fez comprar por terceira pessoa, voltei a Lisboa.
Como disse, tinham passado três meses sobre o meu coração. Aquela eterna brasa que eu, por amor da retórica, há pouco disse que trouxera do Inferno nos seios da alma, estava quase apagada, como todas as brasas que a gente inflama com assopros de estilo. Pelo modo como o homem e o amor estão feitos neste tempo, três meses de ausência correspondem àqueles dilatados anos dos amores da Idade Média, que traziam da Palestina à castelã saudosa o coração leal do seu cavaleiro. Peitos de ferro deviam albergar corações de férrea tenacidade. Agora, é mais íntimo e doravante o amor, mais combustível o coração; a chama, batida por variados ventos, ateia-se mais enfurecida e o elemento dos afetos volatiza-se rapidamente. A mais aumenta a versatilidade humana, quando o amor-próprio sai anavalhado destas lutas, em que é grande parte o orgulho. Assim se explica o quase esquecimento de Paula quando voltei a Lisboa; e, se de todo não a esquecera, fora a curiosidade de saber a conta em que o mundo a tinha que me levava a indagar os pormenores da sua vida.
O boleeiro, que já o não era da casa de Benfica, deu-me alguns, os mais agravantes à honra da menina; os outros comunicaram-mos as suas amigas, os seus turibulários, os poetas que a traziam em letra redonda nas décimas dos folhetins e os noticiaristas que a vinham sempre aclamando rainha dos bailes.
As minhas averiguações vieram aos seguintes resultados: Paula estava prometida a um fidalgo do Alentejo, seu primo segundo, e amava com quantas provas se justifica o amor, um conde. Este conde devia ser o sujeito mencionado no diálogo de Eufémia e Caetano, aquele fino amante que levou o frango assado com recheio dos suspiros da cozinheira.