Consta-me que Leontina se lembrara então de Silvestre; mas ignorava que destino ele tivesse. Incumbiu um compadre de indagar se estava no Porto o homem; a resposta demorou-se alguns dias, sete, creio eu, e ao sexto já ela estava em indagações da vida e costumes de um sujeito de bigode e pêra, que à mesma hora de cada tarde lhe passava à porta num tiburi, tirado por uma orça. Fácil lhe foi saber que o sujeito fora, cinco anos antes, algibebe, tirara o prémio da Loteria de Espanha e fechara a loja. Era o mesmo algibebe que levara no colete de veludinho com a casca de melão. Que mudança de cara e de maneiras ele fizera! O dinheiro faz essas mudanças e outras mais espantosas ainda. Chegaram à fala, deram-se explicações e casaram. Eu tive ocasião de os ver ontem no seu palacete a Buenos Aires. Estão gordos, ricos e muito considerados na sua rua.
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A segunda era também minha vizinha. A casa em que eu vivia formava o cunhal de um quarteirão, com janelas para duas ruas. Assim podia passear os dois corações de uma para outra janela sem dar suspeitas da minha doblez.
Nunca pude saber o nome da dama, nem lhe vi a preceito a cara. Entreluziam-lhe os olhos nas tabuinhas verdes das persianas, olhos que abonavam o restante das belezas. Vi-a uma ou outra vez na rua; mas o meu pudor era o mais vigilante anjo-da-guarda que ele tinha. Escrevi-lhe uma carta em vinte páginas e icei-lhe numa cartonagem de amêndoas, que ela, à meia-noite, pendurou da janela. No dia seguinte não a vi. Afligi-me até à desesperação, tomando como zombaria semelhante resposta à minha carta. Desafoguei na sincera amizade de um amigo, e este consolou-me, dizendo que a mulher podia estar doente, podia estar apaixonada; e, na segunda hipótese, fugia à paixão para respeitar os deveres, se os tinha.