Ao outro dia abriu-se a janela, e a persiana baixou logo, como era de uso. As tabuinhas obedeceram ao impulso da mão divina, ficando horizontais. Vi-lhe os olhos, vi-lhe o sorriso, vi-lhe um trejeito de gratidão, e compreendi que me mandava ir à meia-noite debaixo da janela.
Fui com uma legião de amorinhos a volitar ao redor de mim. A patrulha viu- me atravessar a rua e conheceu, pelo passo, que eu era um mortal ditoso. Parou quando eu parei. Perguntou-me o que fazia eu ali quieto. Respondi-lhe que tomava a fresca; e os janízaros responderam: “Veja lá que se não constipe...”.
Daí a pouco desceu a cozinha com um bilhete em abraço e eu lancei na coifa uma poesia intitulada: Ela!
Entrei no meu quarto, abri o papelucho, e li:
Gosto muito do seu estilo. Continue, que me entretém. Ontem não lhe apareci porque fui a Oeiras, e li a sua carta na presença de Neptuno. Escreva muito, que escreve muito bem.
Reli esta coisa e pus a mão sobre o coração injuriado. Não podia dormir. Saí a resfriar a cabeça para não a partir em casa. O escárnio ia atrás de mim, apupando-me. Parei na azinhaga do Arco do Cego e senti-me febril. Às cinco horas da manhã, fui a uma das barcaças e tomei um banho no Tejo. Recolhi-
me com uma catarral e estive onze dias de cama. Quando me ergui, magro e lívido, ouvi dizer à dona da casa que o galego, aguadeiro da casa caraira, viera duas vezes perguntar por mim, com ordem de alguém. O espinho da irrisão, o tremendo ridículo, salvou a minha dignidade. Nunca mais abri aquela janela, nem vi mais a vizinha. Assim terminou o meu segundo amor.
Um caso me fez saber quem era aquela senhora, que eu desculpo e até respeito. Fora menina de finíssima educação, natural de Beja. Apaixonou-se por um conde de Lisboa e fugiu aos pais, pensando que a ignomínia lhe viria a dar um marido.