Faltava toda a delicada autonomia, outra forma de protecção do instinto impetuoso; e assim me equiparava eu a qualquer outro, mostrando «desinteresse», -:- coisa que jamais me perdoarei. Quando atingi quase o fim, e por isso mesmo que estava quase no fim, comecei a meditar nesta sem-razão fundamental da minha vida - o «idealismo». A doença, e só ela, me conduziu à razão.
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À escolha da alimentação, à escolha do clima e do sítio adequado para viver - uma terceira se acrescenta, na qual também cumpre evitar todo o erro, e é essa escolha da forma de divertimento. Aqui também, e na medida em que um espírito é sui generis, os limites do que é lícito, ou seja, útil, são cada vez mais estreitos. No meu caso, toda a leitura faz parte dos divertimentos: faz parte, consequentemente, do que me separa de mim próprio, do que me permite passear pelas ciências e pelas almas alheias, do que não tomo já a sério. A leitura diverte-me precisamente da minha seriedade... Em épocas profundamente ocupadas não se vêem livros perto de mim; se alguém então para mim fala ou pensa, tenho todo o cuidado de o impedir. E a isto chamo eu ler... Já se observou que naquela profunda tensão à qual a gestação intelectual condena o espírito, e no fundo todo o organismo, qualquer género de estímulo provindo do exterior actua com excessiva veemência e penetra demasiado fundo. Deve evitar-se o mais possível toda a acção ocasional, todo o estímulo externo. Uma espécie de emparedamento de si próprio é uma das primeiras formas de instintiva prudência da gestação intelectual. Como haveria eu de permitir que um pensamento alheio escalasse secretamente as paredes? Ler não seria outra coisa.
Aos tempos de trabalho e fecundidade seguem-se os de divertimento: vinde a mim, livros agradáveis, espirituosos e ignorados! Haverá livros alemães assim? Devo regressar seis meses atrás para me encontrar com um livro desses.