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Em que medida com isto encontrei o conceito do «trágico», o conhecimento definitivo do que é a psicologia do trágico, já expus no Crepúsculo dos Ídolos. (V. Transmutação de todos os valores).
«A afirmação da vida, ainda nos seus mais estranhos e duros problemas; a vontade de viver comprazendo-se em sacrificar as mais altas formas de ser à inesgotabilidade do dever - isto chamei eu dionisíaco, apreendendo-o corno a fonte de compreensão do poeta trágico. Não para nos libertarmos do terror e da compaixão, não para nos purificarmos de uma perigosa paixão através de veemente descarga - como Aristóteles erradamente pretendeu - mas para «sermos nós mesmos», para nos colocarmos além do terror e da compaixão, na eterna alegria do devir, a alegria que encerra também o gozo do aniquilamento... » Neste sentido me considero o primeiro filósofo trágico, extremo contraste e antípoda de uma filosofia pessimista. Antes de mim não existiu tal transposição do dionisíaco em pathos filosófico: faltava a sabedoria trágica. Em vão procurei seus traços entre as grandes figuras gregas da filosofia, anteriores a Sócrates de dois séculos. Permanecia em dúvida quanto a Heraclito, junto do qual me situo com mais gosto do que em qualquer outro ponto. A afirmação da transitividade e do aniquilamento, decisiva na filosofia dionisíaca, a aceitação do contraste e da guerra, o devir com renúncia radical ao próprio conceito do «ser», tais são as teses que, ao fim ao cabo, vejo mais afins de mim em tudo quanto se t m até hoje pensado. A doutrina do «eterno retorno», ou seja, de um ciclo repetido, incondicionado e eterno, esta doutrina de Zaratustra poderia talvez já ter sido ensinada por Zenão. Pelo menos a Stoa, que herdou de Heraclito quase todas as suas ideias, apresenta sinais dela.