Ecce Homo - Cap. 5: A Origem da Tragédia Pág. 56 / 115

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Desprende-se deste escrito uma prodigiosa esperança. Não tenho motivos para deixar de confiar num porvir dionisíaco da música. Lancemos o olhar para um século depois de nós, suponhamos que o meu ataque a dois milénios de contra-natureza e ofensa à humanidade obtenha êxito. O novo partido da vida, que tome nas mãos o maior de todos os deveres, a educação superior da humanidade, neste dever abrangendo a destruição de todos os degenerados e de todos os parasitas, tornará de novo possível sobre a terra aquele excesso de vida que restabeleça a situação dionisíaca. Prometo uma idade trágica: a arte mais alta na afirmação da vida, a tragédia, renascerá quando a humanidade puder afrontar a consciência das mais duras, mas mais necessárias guerras, sem se diminuir. Um psicólogo poderia acrescentar que tudo quanto ouvi nos meus anos juvenis através da música de Wagner nada tem que ver com Wagner; que quando descrevia a música dionisíaca ela era o que eu só ouvira; que eu transpus e transfigurei instintivamente todo o novo espírito que levava dentro de mim. A prova disto, tão forte quanto uma prova o pode ser, é o meu escrito: Wagner em Bayreuth. Em todos os passos psicologicamente decisivos fala-se de mim apenas; pode sem reservas escrever-se o meu nome ou a palavra «Zaratustra» onde no texto aparece R. palavra «Wagner». Todo o perfil do artista ditirâmbico é já o retrato completo de Zaratustra, esboçado com profundidade abissal e sem tocar por um instante sequer a realidade wagneriana. O próprio Wagner o compreendeu; não se reconheceu naquele escrito.

Igualmente a «ideia de Bayreuth» se transformou em alguma coisa que, para quem conhece o meu Zaratuetra; nada tem de enigmático: está naquele «meio-dia» em que os eleitos se dedicam ao maior de todos os deveres - quem sabe? - a visão maravilhosa do que eu ainda viverei.





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