Quando acabou de dar lustro aos sapatos, endireitou-se e puxou o colete para baixo. Em seguida, tirou rapidamente uma moeda do bolso.
- Olha, Lily - disse ele, metendo-lha nas mãos. - É a altura do Natal, não é?.. Aqui tens uma pequenina...
- Oh!... não senhor!... – gritou a rapariga, indo atrás dele. - Na verdade, não posso aceitar...
- Estamos no Natal! Estamos no Natal! - exclamou Gabriel, subindo a correr as escadas e acenando-lhe com a mão, em ar suplicante.
- Bem, muito obrigada, senhor!...
Esperou à porta da sala até que a valsa terminasse, ouvindo o barulho dos pés e das saias. Ainda estava indisposto com a resposta amarga da rapariga, que lhe trouxe uma tristeza que ele procurou dissipar, arranjando os punhos e o laço da gravata. Depois, tirou da algibeira do colete um pequeno papel e olhou para o rascunho que preparara para o seu discurso. Sentia uma certa indecisão, versando acerca das ideias de Robert Browning, porque temia que fossem superiores ao alcance dos ouvintes. Qualquer passagem que eles pudessem reconhecer como pertencendo a Shakespeare ou às Melodies teria sido melhor. A maneira pouco delicada como os homens batiam com as solas e os saltos dos sapatos no chão, fizera-lhe lembrar que o grau de cultura deles diferia bastante do seu. Tornar-se-ia unicamente ridículo, recitando versos que eles não podiam compreender. Pensariam que se estava a «dar ares», por ter uma educação superior. Falharia ali, do mesmo modo que falhara com a rapariga, na copa. Adoptara um tom falso. O seu discurso era um engano, do princípio ao fim; seria um fracasso.
Justamente nessa ocasião, sua mulher e suas tias saíram do toilette. As tias eram duas velhotas baixas e vulgares. A tia Julia, um pouco mais alta, usava o cabelo, já grisalho, penteado sobre as orelhas; apesar de ser de construção robusta e de se conservar direita, os olhos pequenos e os lábios apertados davam a impressão de uma mulher que não sabia onde estava nem para onde ia.
A tia Kate era mais viva. O seu rosto, mais saudável, estava cheio de vincos e de rugas, como se fora uma maçã encarquilhada, e o cabelo, penteado da mesma forma antiquada que o da sua irmã, ainda não perdera certas tonalidades acastanhadas.
Ambas beijaram Gabriel. Era o sobrinho favorito, o filho da irmã mais velha, Ellen, que já morrera e fora casada com T. J. Conroy, de Port and Docks.
- Gretta disse-me que esta noite não voltariam a Monkstown - disse a tia Kate.