Seria possível eles materializarem as elaborações da sua alma? Seria possível eles darem realidade aos sonhos da sua alma? Ou haveria alguma outra razão, ainda mais terrível? Estremeceu e teve medo, e, voltando para o divã, ali se deixou ficar estendido, fitando o retrato com alucinado horror.
Uma coisa, porém, sentia que o retrato por ele fizera: advertira-o de quão injusto e cruel havia sido para com Sibyl Vane. Não era tarde demais para recuperar o mal cometido. Podia ainda desposá-la. O seu amor irreal e egoísta cederia a alguma influência mais alta, transmutar-se-ia em alguma paixão mais nobre, e o retrato que dele pintara Basil Hallward seria o seu guia durante a vida, seria para ele o que para uns é a santidade, para outros a consciência e para todos o temor de Deus. Havia ópio para o remorso, havia drogas que adormeciam a sensibilidade moral. Aquilo, porém, era um símbolo visível da degradação do pecado. Era um sinal indelével da ruína a que os homens arrastavam as suas almas.
Bateram três horas, bateram quatro, bateu a meia hora, e Dorian Gray permanecia imóvel. Esforçava-se por juntar os fios escarlates da vida e entretecê-los; encontrar o seu caminho através do sanguíneo labirinto de paixão por meio do qual andava, à toa, vagueando.