O Retrato de Dorian Gray - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 187 / 335

Era um quarto grande, bem proporcionado, que havia sido mandado especialmente fazer pelo último Lord Kelso para uso do neto, que pela sua estranha semelhança com a mãe, e ainda por outras razões, ele sempre detestara e quisera conservar afastado. Pareceu a Dorian pouco haver mudado. Lá estava o enorme cassone italiano, com as suas molduras fantasticamente pintadas e dum dourado já desbotado, em que tantas vezes se escondera. Lá estava ainda a estante de pau-cetim cheia dos livros escolares de páginas dobradas nos cantos. Na parede por trás lá pendia ainda, toda rota, a mesma tapeçaria flamenga, em que um rei e uma rainha, desbotados, jogavam o xadrez num jardim, enquanto os falcoeiros seguiam a cavalo com os falcões pousados nas mãos enluvadas. Que bem se recordava de tudo isso! Ao olhar em roda surgiu-lhe de novo na mente cada momento da sua solitária infância. Evocou a imaculada pureza da sua vida de rapaz e pareceu-lhe horrível ir ali esconder o retrato fatal. Mal havia de imaginar, nesses dias remotos, tudo o que o futuro lhe reservava!

Não havia, porém, na casa outro lugar tão a coberto como aquele dos olhos indiscretos. Era ele quem possuía a chave e ninguém mais ali poderia entrar. Por baixo da sua mortalha purpúrea, a cara pintada na tela podia à vontade tornar-se bestial, repugnante, imunda.





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